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Da Extinção da Pessoa Jurídica à Sucessão Processual, por Juliana Witt

Nos casos em que há a extinção da pessoa jurídica demandada no polo passivo em processo judicial, se revela perfeitamente aplicável o instituto da sucessão processual previsto no artigo 110 do Código de Processo Civil (CPC/15), por analogia, in verbis: “Art. 110. Ocorrendo a morte de qualquer das partes, dar-se-á a sucessão pelo seu espólio ou pelos seus sucessores, observado o disposto no art. 313, §§ 1º e 2º.”. Dessa forma, dissolvida e extinta, aplica-se o instituto da sucessão processual da pessoa jurídica que se dá na pessoa dos sócios, para que esses respondam pelo passivo da empresa.

De acordo com o entendimento hodierno, apesar de a morte ser fenômeno natural exclusivo da pessoa humana, o art. 110 do CPC/15 deve ser aplicado por analogia à pessoa jurídica, sendo também hipótese de sucessão processual obrigatória, quando há  extinção da pessoa jurídica durante o trâmite procedimental. No mesmo sentido, FÁBIO ULHOA COELHO[1] esclarece:

Os preceitos legais sobre a dissolução-procedimento visam, de um lado, assegurar a justa repartição, entre os sócios, dos sucessos do empreendimento comum, no encerramento deste; e, de outro, a proteção dos credores da sociedade empresária. Em razão desse segundo objetivo, se os sócios não observaram as regras estabelecidas para a regular terminação da pessoa jurídica, respondem pessoal e ilimitadamente pelas obrigações sociais. Em outros termos, se eles simplesmente paralisam a atividade econômica, repartem os ativos e se dispersam (dissolução de fato), deixam de cumprir a lei societária, e incorrem em ilícito. Respondem, por isso, por todas as obrigações da sociedade irregularmente dissolvida. O acionista ou sócio minoritário que não participou do golpe deve, para não ser também responsabilizado, requerer a dissolução judicial da sociedade. 

Seguindo a doutrina, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem fixado o entendimento, admitindo a sucessão processual em relação à empresa e aos sócios, sem a necessidade de abertura do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, por se tratarem de institutos diferentes, conforme ementas:

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. AÇÃO DE COBRANÇA. EXTINÇÃODA PESSOA JURÍDICA EXEQUENTE. PEDIDO DE INCLUSÃO DOS SÓCIOS NO POLO ATIVO DA DEMANDA. ADMISSIBILIDADE. EXTINÇÃO DA PESSOA JURÍDICA QUE IMPLICOU A TRANSFERÊNCIA DA TITULARIDADE DOS CRÉDITOS AOS SÓCIOS. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL CABÍVEL. INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA DO ARTIGO 110 DO CPC/15. DECISÃO MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. (TJSP; Agravo de Instrumento2058937-76.2017.8.26.0000; Relator (a): Vito Guglielmi; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de Marília - 2ª.Vara Cível; Data do Julgamento: 14/09/2017; Data de Registro:14/09/2017) AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.248.355 - SP (2018/0033973-0).

 

Agravo de Instrumento. Locação de imóveis. Execução de título extrajudicial. Decisão que determinou a instauração de incidente de desconsideração de pessoa jurídica. Pretensão à inclusão dos sócios no polo passivo da lide em razão da sucessão processual: possibilidade. Institutos que não se confundem. Empresa agravada dissolvida e extinta por sentença. Sucessão processual da pessoa jurídica que se dá na pessoa dos sócios. Exegese dos artigos 110 do NCPC.   Agravo de instrumento provido, prejudicada a análise dos embargos de declaração. (TJSP - Acórdão Agravo de Instrumento  2059086-38.2018.8.26.0000, Relator(a): Des. Francisco Occhiuto Júnior, data de julgamento: 30/08/2018, data de publicação: 30/08/2018, 32ª Câmara de Direito Privado).

 

Agravo de Instrumento. Compra e venda de veículo. "ação declaratória de inexigibilidade de débito/vício redibitório c.c. indenização por danos morais". Cumprimento de sentença. Decisão que considerou prematuro o pedido de desconsideração de pessoa jurídica da empresa executada.  Pretensão à desconsideração da pessoa jurídica com base no art. 28, §5º do CDC. Impossibilidade. Empresa agravada dissolvida. No entanto, possível a inclusão dos sócios no polo passivo da lide em razão da sucessão processual.  Sucessão processual da pessoa jurídica que se dá na pessoa dos sócios. Exegese do artigo 110 do NCPC.   Agravo de instrumento provido. (TJSP - Acórdão Agravo de Instrumento 2095575-74.2018.8.26.0000, Relator(a): Des. Francisco Occhiuto Júnior, data de julgamento: 07/10/2018, data de publicação: 07/10/2018, 32ª Câmara de Direito Privado).

 

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA Empresa extinta - Sucessão processual Possibilidade Inteligência do art. 110 do CPC - Inclusão dos sócios no polo passivo da ação, em razão de responsabilidade prevista no artigo 1.080 do CC Decisão reformada Recurso provido. (TJSP - Acórdão Agravo de Instrumento 2227670-68.2018.8.26.0000, Relator(a): Des. Paulo Pastore Filho, data de julgamento: 12/04/2019, data de publicação: 17/04/2019, 17ª Câmara de Direito Privado). PROCESSUAL CIVIL. DIREITO TRIBUTÁRIO. DISTRATO. DISSOLUÇÃO REGULAR DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA. DEPENDÊNCIA DA FASE DE LIQUIDAÇÃO. AUSÊNCIA DE INSTAURAÇÃO. INFRAÇÃO À LEI. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. I. Com o provimento do recurso especial pelo STJ, a continuidade do julgamento do agravo deve ocorrer sob a premissa de que o simples distrato não constitui modo de dissolução regular de sociedade empresária. Cabe ao Tribunal apenas analisar o cumprimento das demais fases do procedimento dissolutório e os efeitos de eventual inobservância. II. Segundo os autos da execução fiscal, houve o mero distrato de Comercial de Bebidas Premier Ltda. Os arquivamentos na Junta Comercial não contêm qualquer referência à fase de liquidação, que representa a apuração do ativo e o pagamento do passivo. Os sócios tomaram somente a deliberação de dissolução, sem que tenham nomeado um liquidante e dado sequência ao processo. III. A omissão levou a que todos os débitos da pessoa jurídica ficassem em aberto e a garantia dos credores fosse apropriada indevidamente pelos sócios, com a ocorrência de confusão patrimonial. Se o ativo não bastava à cobertura do passivo, competia a eles requerer a falência da organização empresarial, enquanto forma de dissolução cabível na hipótese de insolvência. IV. Ao distrato, portanto, não se seguiu a fase de liquidação, da qual depende, inclusive, a extinção efetiva da sociedade (artigos 1.102 e 1.109 do CC). V. A medida acarreta a responsabilização pessoal dos administradores, pela prática de infração à lei (ausência da etapa de liquidação) e confusão patrimonial (apropriação dos itens remanescentes do estabelecimento comercial). VI. A origem da sujeição passiva não é sucessão tributária, fundada no recebimento de quinhão depois da partilha dos bens sociais (última fase do processo), mas abuso de personalidade jurídica, cometido durante a gestão de empresa que ainda não se encerrou por completo (artigo 135 do CTN e artigo 50 do CC). VII. O Decreto-Lei n. 1.598 de 1977 prevê expressamente que a dissolução de sociedade desacompanhada de liquidação causa a responsabilidade pessoal dos dirigentes pelos tributos federais. VIII. Moussa Hamaqui representa um dos administradores de Comercial de Bebidas Premier Ltda., exercendo o mandato tanto no momento de vencimento dos débitos quanto no do registro do mero distrato na Junta Comercial; deve responder, assim, pelos créditos tributários que ficaram em aberto. IX. Agravo de instrumento a que se dá provimento. (TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA,  AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 577420 - 0003982-41.2016.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO CEDENHO, julgado em 18/12/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/01/2019). (grifamos). 

Especialmente se admite a sucessão, quando há a dissolução irregular da empresa, que não se seguiu da fase de liquidação, da qual depende, inclusive, a extinção efetiva da sociedade, na forma dos artigos 1.102 e 1.109, ambos do Código Civil, in verbis:

Art. 1.102. Dissolvida a sociedade e nomeado o liquidante na forma do disposto neste Livro, procede-se à sua liquidação, de conformidade com os preceitos deste Capítulo, ressalvado o disposto no ato constitutivo ou no instrumento da dissolução.

Parágrafo único. O liquidante, que não seja administrador da sociedade, investir-se-á nas funções, averbada a sua nomeação no registro próprio.

Art. 1.109. Aprovadas as contas, encerra-se a liquidação, e a sociedade se extingue, ao ser averbada no registro próprio a ata da assembleia.

Parágrafo único. O dissidente tem o prazo de trinta dias, a contar da publicação da ata, devidamente averbada, para promover a ação que couber. 

De acordo com as decisões, se o ativo não bastava à cobertura do passivo, competia à empresa ré postular a autofalência, na forma da Lei n.º 11.101/05. Contudo, a extinção da pessoa jurídica com evidente violação à lei torna aplicável o artigo 1.080 do Código Civil Brasileiro, ao tratar da responsabilidade ilimitada dos sócios pelas obrigações contraídas pela sociedade empresária, justificando-se a responsabilização.

 



[1] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial.  2ª edição. Volume 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.

 

Mais notícias

  • STJ valida sucessão processual de sócios de empresa extinta voluntariamente

    - Apesar de não existir uma indicação literal no texto da lei, a doutrina especializada no Código de Processo Civil aponta que é válida a sucessão processual dos sócios da pessoa jurídica extinta voluntariamente para fins de execução de dívida. Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ordenou, por unanimidade, que o juízo de primeiro grau reconheça a sucessão processual de uma empresa registrada como sociedade limitada que encerrou suas atividades com dívidas com outra companhia.   No caso julgado, uma empresa ajuizou ação de execução de títulos contra outra devedora. A companhia devedora, todavia, deu baixa no curso do processo e encerrou suas atividades. Em seguida, a credora pediu à Justiça que seus sócios respondessem pelas dívidas contraídas.   Para a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, não há necessidade de desconsideração da pessoa jurídica para que haja sucessão processual pelos sócios da empresa devedora, posto que o CPC de 2015, em seu artigo 110, garante essa sucessão após a morte da pessoa natural — que, nesse caso, equipara-se à extinção da pessoa jurídica.   “Muito embora a interpretação literal do art. 110 do CPC/15 (cujo texto corresponde ao do art. 43 do CPC/73) conduza à conclusão de que o dispositivo se refere apenas à sucessão da pessoa física, doutrina especializada aponta que a norma também deve ser aplicada à hipótese de extinção da pessoa jurídica, por se tratar de evento equivalente à morte da pessoa natural.”   A ministra destacou que na sentença e no acórdão constaram argumentos contrários ao pedido por causa do instituto da desconsideração da pessoa jurídica, que exige comprovação de dolo e uso abusivo da empresa pelos sócios, o que não foi comprovado. Nancy, no entanto, afirmou que a sucessão processual é um instituto distinto, que deriva da baixa voluntária da empresa.   “Ao contrário do que constou no acórdão recorrido, a sucessão processual não pode ser confundida com o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, sobretudo porque se tratam de situações que decorrem de circunstâncias fáticas distintas: enquanto a sucessão deriva da extinção voluntária da sociedade empresária, a desconsideração resulta da verificação do abuso da personalidade jurídica por parte dos sócios/administradores.”   Por se tratar de sociedade limitada, porém, a ministra decidiu que os sócios só devem responder com o patrimônio líquido que foi distribuído após o fim da empresa, caso haja algum. “Tratando-se de sociedades limitadas, os sócios não respondem com seu patrimônio pessoal pelas dívidas titularizadas por aquelas após a integralização do capital social. A sucessão processual, portanto, dependerá da demonstração de existência de patrimônio líquido positivo e de sua efetiva distribuição entre os sócios”, escreveu a ministra.   REsp 2.082.254 Fonte: CONJUR  

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  • TST valida norma que reduz intervalo intrajornada para 30 minutos

    - Os ministros da SDI-II do Tribunal Superior do Trabalho (TST) confirmaram a validade de norma coletiva que estabelece a redução do intervalo intrajornada para 30 minutos em jornadas de oito horas no julgamento do Processo ROT-101675-61.2017.5.01.0000. Esta decisão foi baseada na interpretação do STF sobre o Tema 1.046, que reconhece a constitucionalidade de acordos e convenções coletivas que, considerando a negociação setorial adequada, estabelecem limitações ou exceções a direitos trabalhistas, mesmo sem a necessidade de apontar benefícios compensatórios específicos, desde que direitos essenciais sejam preservados.   Na origem, o TRT da 1ª região anulou cláusula do acordo coletivo do Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda e região com uma indústria de fabricação de chapa de aço. A pretensão rescisória em questão se opõe a esse acórdão, na qual foi declarada a invalidez da norma coletiva por reduzir o intervalo intrajornada, resultando na obrigação de pagamento de uma hora extra diária aos trabalhadores representados no processo.   A relatora do caso, ministra Morgana de Almeida Richa, ressaltou a tese firmada pelo STF no julgamento do Tema 1.046, no sentido de que "são constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao consideraram a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis".   "Com efeito, a redução do intervalo para repouso e alimentação está inserida na regra geral de disponibilidade de direitos para fins de pactuação na seara coletiva, destacado que a própria CLT sempre admitiu a possibilidade de flexibilização do limite mínimo de uma hora, conforme disciplina seu art. 71, § 3º, nas hipóteses específicas ali descritas."   Apesar de os fatos discutidos antecederem a lei 13.467/17 (reforma trabalhista), que expressamente reforçou a flexibilidade do direito ao intervalo intrajornada, privilegiando acordos coletivos sobre a legislação com um limite mínimo de 30 minutos para jornadas acima de seis horas, a ministra Richa argumentou que a norma coletiva em questão deveria ser validada com base no artigo 7º, XXVI, da Constituição Federal, que não considera o direito ao intervalo intrajornada como absolutamente inalienável.   Portanto, o recurso foi aceito, levando à procedência da ação rescisória, validando a norma coletiva que estabelecia um intervalo de trabalho de 30 minutos.   Fonte: Migalhas  

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  • Selic nas dívidas civis poderá causar prejuízo a credores

    - No início do mês de março, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por seis votos a cinco, que a taxa Selic deve ser o índice aplicável na correção das dívidas civis. Apesar da proclamação do resultado, no entanto, o julgamento foi suspenso após pedido de vista em uma questão de ordem pela nulidade do julgamento.   A definição da taxa de juros sobre as dívidas civis afeta diretamente todo débito judicial, advindo de condenações pecuniárias em processos em todo o país.   A taxa Selic exerce função fundamental para a política monetária nacional, consistente no controle da inflação. O Banco Central a utiliza como forma de combater as altas inflacionárias, as quais, no Brasil, historicamente, ocorrem com ampla frequência. Disso decorre o caráter altamente volátil da Selic, que sempre será definida em consideração à inflação nacional. A exemplo disso, foi definido o índice em 2% na reunião do Copom de janeiro de 2021, e em 13,75% em agosto de 2022, isto é, apenas um ano e sete meses depois. A oscilação da Selic é incontornável.   Dessarte, há o entendimento na incompatibilidade para servir como índice justo à atualização de débitos judiciais. A utilização de uma taxa vacilante gera situações de grave desacordo aos mais basilares princípios do Direito, tal qual a justa indenização e a isonomia.   A respeito da modulação dos efeitos da decisão, em tese haverá espaço para recursos e discussões, que podem alterar significativamente o panorama atual.   Poderá ocorrer um cenário desfavorável para os credores pela incidência da Selic, em especial pessoas físicas, que têm valores a receber de grandes companhias, em especial bancos e seguradoras. Essas, por outro lado, estarão em cenário mais confortável, no qual o adimplemento do débito se dará em observância ao cenário de juros que lhe for mais favorável.   Fonte: Migalhas  

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