A Doutrina da Superação da Personalidade Jurídica, por Juliana Witt

Mesmo nos países em que se reconhece a personalidade jurídica apenas às sociedades de capitais, surgiu, não há muito, uma doutrina que visa, em certos casos, a desconsiderar a personalidade jurídica, isto é, não considerar os efeitos da personificação, para atingir a responsabilidade dos sócios e/ou de empresas que integram determinado grupo econômico. Esboçada nas jurisprudências inglesa e norte-americanda, países que adotam o sistema da common law, é conhecida no direito comercial como a doutrina do Desregard of Legal Entity.

Na Alemanha surgiu uma tese apresentada pelo Prof. ROLF SERICK, da Faculdade de Direito da Universidade de Heidelberg, que estuda proficuamente a doutrina, tese essa que adquiriu notoriedade causando forte influência na Itália e na Espanha. Seu título, traduzido pelo Prof. ANTÔNIO POLO, de Barcelona, é bem significativo: “Aparencia y Realidad en las Sociedades Mercantiles – El abuso de derecho por medio de la persona jurídica.”

Pretende a doutrina penetrar no âmago da sociedade, superando ou desconsiderando a personalidade jurídica, para atingir e vincular a responsabilidade do sócio. Não se trata, todavia, de considerar ou declarar nula a personificação, mas, sim, de torná-la ineficaz para determinados atos.

No Brasil, a doutrina tem acentuada aplicação no âmbito tributário, para combater a sonegação e evasão de impostos, quando utilizada a personalidade da sociedade empresarial como anteparo. Sempre que aplicada, os julgadores destacam que não põem dúvida na diferença de personalidade entre a sociedade e os seus sócios, mas no caso específico de que tratam, visam impedir a consumação de fraudes e abusos de direito cometidos por meio do patrimônio do devedor para o capital de uma pessoa jurídica, ocasionando prejuízo a terceiros.

Trata-se do conceito inserto na legislação pátria, a exemplo do artigo 50 do Código Civil, que estabelece, em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. A desconsideração, assim, perfaz medida excepcional, aplicável mediante a demonstração de irregularidades.

A doutrina, pouco divulgada em nosso país, levada a pouca consideração de nossos Tribunais, poderia ser perfeitamente adotada, para impedir a consumação de fraude contra credores, tendo como escudo a personalidade jurídica da sociedade. Em qualquer caso, contudo, necessário sopesar que a personalidade jurídica não constitui um direito absoluto, devendo estar sujeita e contida pela teoria da fraude contra credores e pela teoria do abuso de direito.
Ainda com relação à hodierna discussão, em recente seminário, promovido pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados* (ENFAM), a presidente da mesa, Ministra Nancy Andrighi, lembrou que o Superior Tribunal de Justiça teve importância fundamental na criação da jurisprudência acerca da tese da desconsideração da personalidade jurídica. Um exemplo, foi o julgamento da Terceira Turma, que permitiu estender a falência para empresas coligadas, pois existentes claros sinais de tentativa de fraude aos credores.

Participando do debate, a doutora Ana Frazão apontou que a pessoa jurídica é essencial para o fomento econômico, devendo ser protegido o patrimônio dos acionistas e sócios para a exploração das atividades comerciais. Ao mesmo, tempo, afirmou que o Estado deve coibir abusos e desvios do uso da personalidade jurídica. Por estar razões, sustentou que a teoria da desconsideração deve ser aplicada com ponderação.

Concluindo, afirma-se que o tema deve ser amplamente debatido, para o desenvolvimento de uma jurisprudência segura e eficaz, especialmente, observados os interesses dos credores.

(*) Disponível em: http://eadenfam.stj.jus.br/moodle_enfam/, consultado em 03/10/2011.

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