Hodiernamente, se percebe que a Proposta de novo Regulamento do Serviço de TV a Cabo (TVC) em substituição ao Regulamento de Serviço de TV a Cabo, aprovado pelo Decreto n.º 2.206, de 14 de abril de 1997, e a Norma n.º 013.096-RV/97, aprovada pela Portaria MC nº 256, de 18 de abril de 1997, cria necessariamente uma insegurança jurídica para o mercado brasileiro de televisão por assinatura.
Há anos as concessionárias adquiriram o direito de explorar os serviços de TV a Cabo a partir da realização de certames licitatórios. Após o recolhimento de milhões de reais aos cofres públicos celebraram contratos de concessão junto a União, representada pela Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel, conforme a legislação vigente à época, assumindo compromissos de investimentos previstos em normas regulatórias.
Portanto, faz mais de uma década que as empresas realizam significativos investimentos em todas as suas áreas de prestação de serviços, com o objetivo de atender os assinantes de forma satisfatória, ampliando de forma significativa os serviços prestados. Todavia, frente a nova realidade de mercado a ser imposta pela atual Proposta de Regulamento do Serviço de TV a Cabo cria-se um sério e imponderável prejuízo para o projeto empresarial das operadora em manifesta violação ao princípio da boa-fé objetiva.
Toda e qualquer proposta de alteração regulatória deve observar a situação atual de mercado e a confiança depositada pelo Estado, em conformidade com os Contratos de Concessão celebrados. Não se pode permitir mudanças abruptas nas atuais regras de outorga, instalação e licenciamento do serviço em função das alegadas barreiras à entrada de novos prestadores. Diga-se que tal condição foi estabelecida pelo próprio órgão regulatório que determinou as atuais condições licitatórias e de competição até então existentes.
Nesse sentido, cabe aqui assinalar que o princípio da boa-fé norteia todas as relações jurídicas, e, em especial, os negócios jurídicos em que as Partes reúnem-se com boa intenção, e de forma ética, para a celebração de um contrato qualquer.
A boa-fé é regra de conduta, em que se espera que as partes contratantes sejam diligentes e atentas, umas com as outras, em observância de suas legítimas expectativas. Nessa linha, o jurista CARNEIRO DA FRADA explica que:
Mas as expectativas neste sentido “razoáveis” ou “legítimas” de um sujeito não são senão uma projecção de exigências objectivas de comportamento impostas pela ordem jurídica. Por outras palavras, a tutela das expectativas mediante a regra da boa fé é apenas reflexa. Releva somente no quadro das exigências de probidade e equilíbrio de conduta que aquela veicula. São estas que conferem o fundamento da protecção concedida. E, como é evidente, a esperança que o sujeito deposite na sua observância não tem qualquer relevo dogmático autónomo como confiança no simples acatamento de normas que é.(*)
Utiliza-se, assim, a formulação de LARENZ: “O princípio da boa-fé significa que todos devem guardar fidelidade à palavra dada e não frustrar ou abusar daquela confiança que constitui a base imprescindível das relações humanas.” Boa-fé, em sentido objetivo, significa o dever de atuar no tráfico jurídico de forma honesta, correta e leal.
Assim, o princípio da boa-fé estabelece que as partes sejam leais durante o período de execução dos contratos, respeitando sempre a confiança gerada frente à contraparte em cumprimento as normas vigentes.
Ao invés de uma alteração regulatória prejudicial ao mercado existente seria oportuno estabelecer outras soluções de mercado para expandir os serviços de TV a Cabo existente ou até mesmo possibilitar novas licitações de áreas de prestação de serviços, conforme a própria regulamentação vigente. Não é com a mudança das regras de forma arbitrária e contrária ao princípio da boa-fé objetiva que se resolve as alegadas dificuldades de competição para os serviços de TV a Cabo.
(*) FRADA, Manuel António de Castro Portugal Carneiro da. Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil. Coimbra: Editora Almedina. 2001. p. 454.