Erro e interpretação, por Luiz Octavio Vieira

Para a doutrina clássica, o erro que tinha a força de tornar absolutamente nulo o negócio jurídico caracterizava-se (e como tal se definia) por incidir sobre o conteúdo da declaração, por importar divergência, entre o “querido” (os efeitos queridos) e o “declarado”, os efeitos designados na declaração como devendo produzir-se. Ora, efetivamente, este recair sobre o conteúdo da declaração parece constituir particularidade capaz, em certo aspecto, de autonomizar todo o erro que se apresente revestido dela.

A declaração de vontade contratual é meio dirigido pelo declarante à obtenção de certos efeitos jurídicos. E os efeitos jurídicos da declaração, na sua maior parte, determinam-se, por isso mesmo, em harmonia com o conteúdo dela: esses efeitos, em primeiro lugar, são justamente aqueles a que a declaração aparenta ser dirigida, aqueles que nela se encontram expressa ou implicitamente designados. É dizer que a declaração de vontade exerce funções moderadoras do efeito jurídico.

Se assim é, todo o indivíduo tem a liberdade de provocar aquela situação jurídica por meio da qual melhor se realizem os fins práticos que pretende alcançar. Basta-lhe, para isso, fazer a declaração que seja precisamente adequada a exprimir a sua vontade negocial. E, se o consegue, não pode certamente falar-se num desacordo entre o querido e o declarado. Mas se a declaração emitida não reflete, contra as previsões do seu autor, aquela determinada intenção que devia refletir, então os efeitos que por seu intermédio se produzem não são os mesmos efeitos que o declarante queria provocar. E isto terá sido assim, em virtude de o declarante haver sofrido um erro acerca do conteúdo ou alcance da sua declaração de vontade.

Dizer que falta a normal correspondência entre o conteúdo ou sentido de certa declaração e a vontade do declarante é, portanto, dizer que as consequências atribuídas pelo direito a essa declaração são diferentes do efeitos a que o seu autor a dirigia. Mas esses efeitos jurídicos da declaração de vontade são justamente aqueles a que elas se referirem pelo seu conteúdo. Só é possível, assim, afirmar-se que o direito se recusa a conceder a certa declaração de vontade a eficácia querida, depois de se ter fixado qual é o sentido jurídico dessa declaração. E como determinar o sentido das declarações de vontade é interpretá-las, só por via interpretativa, pode ser decidido que o declarante esteve em erro acerca do conteúdo da declaração emitida.

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