É inegável que o constante avanço dos meios tecnológicos postos à disposição da sociedade possibilitaram impensáveis benefícios à vida contemporânea. Grandes inventos e descobertas, indiscutivelmente, causaram, e causam, profundas alterações nos usos e costumes, a refletirem-se em novos padrões éticos, econômicos e sociais e, por decorrência, e igualmente, em novas construções jurídicas. Com destaque, cite-se a rede mundial de computadores, conhecida como Internet.
As transformações proporcionadas pelo comércio eletrônico influenciaram sobremaneira na atual ordem econômico-social, produzindo efeitos na esfera jurídica dos contratos. Já se discute a necessidade da criação de novo campo do Direito, qual seja o “Direito Cibernético” [1] ou “Direito da Internet”, tamanha é a importância da prevalência hodierna da rede mundial de computadores. No Brasil ainda não há qualquer regulamentação específica que verse sobre o comércio eletrônico ou qualquer outro dos aspectos relacionados ao “Direito da Internet”. De forma diversa, em outros países do mundo como, por exemplo, é o caso de Portugal, vigora desde 7 de Janeiro de 2004, o Decreto-Lei n.º 72, também conhecido como a Lei do Comércio Eletrônico. Tal norma enfrenta determinados aspectos dos serviços da sociedade da informação, em especial os do comércio eletrônico no mercado português. A Internet, inicialmente concebida como rede de comunicação interna desenvolvida para o Exército norte-americano e, logo após, intensamente difundida no meio universitário, tornou-se em pouco tempo meio dinâmico para a transmissão de dados e informações de proporções mundiais.
Entre tantas aplicações de tal rede3, ressalte-se a importância do comércio eletrônico, como uma das grandes mutações propiciadas pela rede mundial de computadores. A facilidade do uso e a redução dos custos são características muito convidativas para que as pessoas venham a ofertar seus produtos e serviços na Internet. Por outro lado, seus milhões de “navegadores” tornam-se potenciais e naturais compradores desses mesmos bens e serviços.
O notável incremento do comércio eletrônico mundial é algo muito significativo, quer a envolver transações comerciais de empresas com consumidores (o chamado B2C: “business to consumer”), quer de empresas entre si (o chamado B2B: “business to business”). A corroborar, estudos prevêem que os negócios celebrados na Internet terão uma participação ainda maior no comércio mundial.
O crescimento exponencial do comércio eletrônico verifica-se exatamente nas transações havidas entre as empresas.4 Dessa forma, depreende-se que a disseminação da rede mundial de computadores para o consumidor, como meio adequado e prático para a realização de negócios, está a requerer forçosamente maior segurança técnica e jurídica.
Para tanto, é imprescindível o enfrentamento de alguns temas cruciais, como o estudo dos deveres decorrentes da aplicação do princípio da boa-fé objetiva prevista no artigo 422 do Código Civil Brasileiro, além das disposições legais pertinentes, nos contratos que se celebram por intermédio da Internet. Verdade é que a rede mundial de computadores precisa, a rigor, trazer confiabilidade e certeza à celebração de todo e qualquer tipo de contrato eletrônico, garantida, destarte, a segurança requerida.
Vale ressaltar que a Internet pode ser compreendida como um meio virtual, em que a parte contratante não possui a certeza da identidade da parte contrária e do bem objeto da contratação eletrônica, tendo em vista a ausência de qualquer contato entre as partes contratantes. Assim, fala-se, inclusive, em uma eventual “desumanização” das relações jurídicas na Internet.5
O meio eletrônico torna ainda mais difícil a comprovação da ocorrência de defeitos na declaração de vontade das partes contratantes como, por exemplo, o erro de processamento na contratação eletrônica automatizada. Assim, em razão da complexidade desse meio em que não há a presença física e simultânea das partes, os contratos eletrônicos são mais suscetíveis de serem objeto dos chamados vícios de vontade.
Para solucionar os problemas acima elucidados, enfocar-se-á a importância do princípio da boa-fé objetiva nos contratos eletrônicos.6 Destaca-se tal princípio, considerado por muitos juristas como a base de qualquer relação jurídica.7 A observância da boa-fé objetiva, o dever de cooperação e respeito mútuo, com atribuição de deveres anexos à obrigação principal, uma conduta reta, esperada e leal aos atos contraídos pelas partes, obrigando-as a serem zelosas com a finalidade de cumprir com o objeto comum, enfim, no caso deste trabalho, tutelar a confiança das partes quanto ao cumprimento do contrato eletrônico. In VIEIRA, Miguel Marques. “A boa-fé objetiva na formação dos contratos eletrônicos” In Revista de Direito de Informática e Telecomunicações – RDIT. Ano n.º2, n.º3. Julho/Dezembro de 2007. Associação Brasileira de Direito de Informática e Telecomunicações – ABDI. Editora Fórum. São Paulo, SP.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
[1] LORENZETTI, Ricardo. Comercio Eletrônico. Editora Abeledo-Perrot. 2001. pp. 13-14.
[2] Tal Decreto-Lei é o resultado da transposição da Diretiva n.º 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de Junho de 2000. A respeito das inovações do legislador pertinentes ao comércio eletrônico português no que se refere a esta Diretiva Européia consultar ASCENSÃO, José de Oliveira. Bases para uma transposição da Directiva n.º 2000/31/CE, de 8 de Junho (Comércio Electrónico). Coimbra Editora. Portugal. 2003.
[3] ASCENSÃO, José de Oliveira. Sociedade da Informação e Mundo Globalizado. In Propriedade Intelectual & Internet. WACHOWICZ, Marcos (Coordenador). Editora Juruá. 2002. p 20.
[4] VIEIRA, Miguel Marques In A apresentação e exame dos documentos eletrônicos em face à operação de crédito documentário irrevogável” In Garantia das Obrigações. Coordenado pelo Prof. Dr. Jorge Ferreira Sinde Monteiro. Editora Almedina. Portugal. 2007. p. 412.
[5] VIEIRA, Miguel Marques In “A autonomia privada na contratação eletrônica sem intervenção humana” In Estudos sobre o direito das pessoas.” Coordenador Prof. Dr. Diogo Leite de Campos. Editora Almedina, Portugal. 2007. p. 188.
[6] MARQUES, Claudia Lima. Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor – um estudo dos negócios jurídicos de consumo no comércio eletrônico. Editora Revista dos Tribunais. 2004. p. 51.
[7] SILVA, Clóvis do Couto e. O Princípio da Boa-fé no Direito Brasileiro e Português. In O Direito Privado brasileiro na visão de Clóvis do Couto e Silva. FRADERA, Vera Maria Jacob (Org.). Revista dos Tribunais. 1999. p. 54.